Eu já me julguei demais...
08 de setembro de 2025
Antes de entrar nessa profissão, eu passei umas semanas estudando o meio. Eu não entendia o que eu estava fazendo com a minha vida. Eu achava grave. De repente, eu nunca me vi sendo acompanhante. E me peguei estudando para ser. Que loucura. Eu só podia estar louca, né?
Corri para contar para a minha psicóloga. Achei que estava entrando em algum surto. Com muita gentileza da parte dela, ela me fazia ver que eu não estava surtando; eu estava sendo lúcida. Sim, era isso que eu queria. Eu queria ser puta, definitivamente. Eu queria experimentar. Mas aí tinha uma outra parte de mim que não compreendia. Se eu decidisse ser puta, algo dentro de mim morreria. Eu ia precisar construir uma nova parte de mim. Eu não sabia se estava preparada.
Meus valores iam mudar. Tudo o que eu tinha acreditado que era correto viraria do avesso. Eu precisaria refletir sobre quem eu sou ainda mais forte do que eu já havia feito. Eu achava que me conhecia até ter o desejo de ser acompanhante. Eu não me conhecia inteiramente, essa parte estaria guardada em mim e só apareceria quando eu ficasse pronta. De repente, parecia que eu estava pronta. Mas eu não me sentia assim.
Eu sou muito da ação. Assim que eu tenho uma ideia, já coloco para o mundo, não consigo me segurar. E assim foi com ser prostituta. Eu quis, eu fiz. Ao passo que ia fazendo os programas, ia entendendo que era isso que eu queria. Ia me sentindo bem comigo mesma e com meu corpo de uma forma que eu nunca tinha sentido na vida. Ia me estranhando. Ah, eu estava sendo uma estranha para mim mesma! Quem eu era? Ou melhor: quem eu estava me tornando? Será que eu poderia desejar ser puta? E gostar? Será que era correto eu ser feliz assim? Será que assim eu seria o orgulho de alguém? Será que eu seria uma decepção? Decepcionaria todos ao meu redor? O que iam pensar de mim? Por que ser feliz com algo que abominam?
Então eu acordava, de madrugava, em pânico. Eu me perguntava "isso é certo?" e eu me corrigia "mas eu estou feliz e não estou fazendo mal para ninguém". Eu me justificava, toda hora. Ninguém estava me perguntando nada, afinal, eu nem estava me expondo como me exponho agora. Quase ninguém sabia que eu era Sol Rara, mas eu sabia. E isso era suficiente. Eu estava me traindo? E os meus estudos? O que me serviu ter duas formações na USP se virei puta? Eu me martirizava. Eu estava horrorizada por ser feliz com algo que nunca imaginaria na vida. Eu me desconhecia, essa é a palavra, eu era desconhecida para mim.
Queria que todo mundo um dia chegasse nesse estado da vida, quando você se desconhecesse para o lado positivo. Quando algo acontece e você se descobre de um jeito que nunca sonhou. E aquilo vira uma parte sua, para sempre. Eu vivi até aqui sem ser a Sol Rara, mas de repente quando eu descobri que sou isso também, não quis mais largar. Faz parte do meu eu. Isso é se conhecer de verdade, quando até dói o que você é. Quando você se aceita, em meio às lágrimas. Já cheguei a chorar pensando "meu deus, mas eu sou feliz com isso?". Eu não queria ser. Seria mais fácil se eu fosse feliz sendo médica ou professora. Qualquer coisa que fosse aceitável, que me criticassem menos, ou que não me transformasse intrinsecamente assim. Ser você às vezes dói. Encarar o desconforto de se bancar, dói. Se entender e olhar para cada parte que existe em você, dói. É um processo bonito, hoje estou muito mais em paz, mas houve muita dor. Muita falta de entendimento. Muitos porquês, relutância e julgamento. Quando ninguém estava me julgando, eu me julguei. É por isso que enfrento o julgamento de cabeça erguida, porque eu já me cutuquei várias vezes para saber se isso era o correto. Até que eu entendi que sim, para mim, é. Eu estou bem comigo mesma. Ultimamente venho sofrido bastante hater no TikTok e alguns pensamentos desses voltaram. Mas eles estão bem fraquinhos. Sei que esses pensamentos querem me proteger. Sou muito autocrítica e sempre penso nas minhas escolhas, ações, falas. Sempre tento ser melhor, coerente, estar em paz com meus feitos. Então vez em outra eu faço esse check-up interno. E sim, tudo está certo aqui. Eu amo ser Sol Rara, ela me faz um bem danado. Me salva de coisas que nunca imaginei que seriam curadas. Ser Sol Rara me cura um pouco mais a cada dia. Ter isso em mente me ajuda a enfrentar o julgamento, externo e interno quando vem.

