Como me tornei acompanhante?

27 de março de 2025

Era uma quinta-feira quando eu recebi uma mensagem que mudaria minha vida. Eu trabalhava como professora em uma escola da rede municipal. Eu não estava feliz há um bom tempo e não tinha perspectivas do que eu iria fazer como carreira. Construir uma carreira sempre foi algo muito importante para mim, e de repente, todo meu sonho de ser uma profissional de sucesso estava indo por água abaixo. Eu não queria mais ser professora, definitivamente. Mas, aí, o que eu iria fazer da minha vida?


Nesse dia, eu já estava pronta para encerrar o dia. Era 21h e pouca. Fui surpreendida por uma mensagem de uma colega de trabalho. Ela já era rude comigo e, nesse dia, ela foi ainda mais. Então ela me enviou um áudio de quase um minuto me cobrando sobre o meu trabalho de uma forma muito repulsiva. Me senti até mesmo uma empregada dela, pior, me senti uma escrava. Eu estava sendo humilhada e não havia ninguém para me defender. O que eu ia falar? Eu não podia falar grandes coisas, pois dependia daquele salário para viver.


Ah, mas nunca fui mulher de depender de algo ou alguém em troca de nada. Nunca me deixei ser humilhada. Nunca me calei. E estava me sentindo completamente desconectada de mim mesma.


Foi com uma raiva enorme que tomou o meu corpo que eu decidi fazer meu cadastro como camgirl. Eu estava, há um tempo, seguindo no instagram uma prostituta. O motivo? Eu não sei! Eu achava ela empoderada, achava muito interessante o modo como ela lidava com a vida e ela também me dava banhos de autoestima, com os conselhos que postava.


Essa prostituta postou o link desse site e eu, sem querer querendo, salvei. Pensei: ah, vai que eu precise, né?


De algum modo, eu sentia um calor vendo o dia a dia dela. De algum modo, eu queria ser ela.

Mas fazer programa também? Nunca, isso jamais - era o que eu me repetia.


Mas na real a minha história com a prostituição começou desde cedo. Desde criança, eu tinha um fascínio por mulheres que exibiam naturalmente a sua sexualidade. Eu queria ter um pouco daquele poder também.


Quando assisti o filme da Bruna Surfistinha, ainda criança, lembro que ao invés de me assustar, achei fascinante o modo como ela lidava com a vida. Na minha cabeça, a prostituição sempre foi uma incógnita, uma equação que eu não conseguia resolver. Me perguntava várias vezes como uma mulher podia fazer isso, se sujeitar a isso. Eu não compreendia, mas queria compreender.


Quando comecei a escrever o meu primeiro livro, comecei a contar sobre uma prostituta que decide sair do bordel para virar professora. Ela almejava mais do que a prostituição. Comecei esse livro em 2022 e, quando cheguei em 2024, entendi que estava escrevendo sobre mim mesma e não sobre uma personagem fictícia!


Mas me perguntava o tempo todo: como? Como eu me vejo como uma prostituta? Por quê?


Parei de escrever sobre essa prostituta, que era eu, e comecei a escrever sobre mim mesma realmente. E agora tenho escrito sobre a minha infância.


Minha cabeça viajava sem entender como eu tinha saído da prostituição para a infância. E tudo era eu.


Bom... então fiz meu cadastro na força do ódio dias depois. Eu tremia enquanto fazia. Eu não entendia o que eu estava fazendo, mas estava morrendo de raiva, eu só queria conseguir dinheiro sem me sujeitar a humilhações. Eu mesma queria fazer o meu próprio dinheiro. E também estava muito curiosa para entrar nesse universo. Queria ver como eu ia me sentir, queria ver como era. Me perguntei diversas vezes se era isso que eu queria, ah, e disse que eu ia testar. Eu ficaria fazendo live por um dia, eu seria uma trabalhadora sexual on-line por um dia, se eu não gostasse, eu ia sair. Ia, sim.


Então combinei isso. Fiz o cadastro no domingo e na terça fui aprovada. Fiquei tão ansiosa para trabalhar nas lives que faltei na escola. Então eu entrei, me tremendo mais ainda, parecia que eu estava vivendo um outro mundo. De repente usuários pagavam para conversar comigo. Eu achava isso um máximo. Fiquei maravilhada.


Ao longo do dia eu entrava algumas vezes e saía. Respirando fundo em cada entrada, ainda não entendendo o que eu estava fazendo da minha vida! Achava isso muito grave, mas ao mesmo tempo muito excitante. De toda forma, seria uma história para contar. Uma baita história!


Então de madrugada entrei e fiquei (sim, estava muito animada e não consegui dormir, então entrei de novo). Conheci um usuário muito legal e só com ele eu tirei quase 500$. No meu primeiro dia, eu fiz 541$ e não trabalhei nem 4h. Meu deus. Eu estava ouriçada. Como eu tinha perdido tanto tempo da minha vida assim?


E os dias foram passando, e eu fui entrando cada dia mais. Até que chegou o final do mês e eu fiz o mesmo salário na escola, mas, com um adendo: eu trabalhei apenas 36 horas... NO MÊS! Ah, eu tenho uma história de humilhação muito grande em vários trabalhos que tive na minha vida. Pensa minha cabeça como ficou? Eu estava muito feliz por ter, finalmente, dinheiro. E não só isso.


Sempre tive muitas inseguranças com o meu corpo e com o sexo em si. Fui abusada quando era criança por uma pessoa extremamente importante na minha vida. Além disso, a minha criação foi muito rígida e pautada no corpo. Todos os dias, sem exceção, a minha mãe dizia que eu não ia ter ninguém na vida, por ser magra demais. Então fui crescendo e não me sentia desejada o suficiente, não sentia que eu tinha um corpo bonito e atraente. Sentia que tudo girava em torno do meu corpo e, se ele não fosse perfeito, ninguém me amaria.


Então eu me afastei do meu corpo e comecei a machucá-lo. Eu achava, inconscientemente, que todos os problemas na minha vida eram por causa do meu corpo. Quando as coisas não davam certo, eu me culpava. Me culpava muito, por muitas coisas. Por coisas muitas vezes que eu não tinha culpa alguma. E para onde ia essa culpa? Para o meu corpo! Eu me machucava de todas as formas que vocês podem imaginar. Quase morri diversas vezes tentando eliminar o meu corpo.


Mas eu sobrevivi. Sobrevivi com uma história de recuperação desse meu corpo, que um dia foi tão aniquilado.


Quando homens começaram a pagar para ter acesso ao meu corpo, eu comecei a vê-lo de um jeito diferente. Pela primeira vez na vida, eu estava me sentindo desejada, atraente, bonita. Eu estava sentindo que o meu corpo valia, literalmente. Eu estava realmente feliz na minha própria pele. Era uma prova de que tudo que minha mãe falou foi uma mentira. Homens queriam, sim, o meu corpo. E muito. E eu me sentia conquistando um espaço dentro de mim que nunca tinha conquistado até então: eu não queria mudar mais nada no meu corpo. Eu estava feliz com ele. Era exatamente esse corpo, da forma como ele tinha, que estava me proporcionando uma vida melhor. E eu não sabia que podia melhorar...


Nunca tinha gozado na vida. Em uma live, eu comecei a me masturbar para um usuário e gozei. Achei aquilo muito doido. Como eu gozava com uma câmera? Sem nem saber quem estava me assistindo?


Então eu sentia tesão cada vez mais, de um jeito que nunca imaginei sentir. Comecei a me tocar, a me conhecer como mulher e comecei a gozar para mim também, sem câmera alguma.


Ah, eu estava maravilhada, vocês não têm ideia!

A vida toda eu nunca tinha sentido nada disso e, dentro de algumas semanas, eu estava vendo a minha vida mudar completamente.


Foi aí que eu comecei a sentir falta de transar. De sentir o corpo das pessoas. De me entregar na cama. De sentir o toque, o cheiro, o gosto. Pelas lives, eu não podia tocar nas pessoas. E eu queria muito, queria tocar. Queria ter prazer com elas, para além de ter prazer comigo.


Então eu pensei: e se eu começar a fazer programas?


Bom, não pensei muito, porque não acho que seja uma decisão que dá para ser bem calculada. Eu sabia que se eu pensasse muito, eu desistiria. Então aprontei minhas coisas, estudei intensamente o ramo, por um curto tempo, e decidi: vou virar garota de programa.


Paguei o anúncio e fui atrás de um ensaio. Fiz o ensaio e, no ensaio, eu estava me sentindo outra. Não sei explicar, mas me senti renascendo. Em cada pose, algo se aflorava em mim, e eu repetia internamente: estou pronta, estou pronta, estou pronta.


Sim, eu estava pronta para virar garota de programa. Na verdade, eu estava pronta para ser mulher. Foi isso que eu senti. Que estava nascendo como mulher.


O ensaio foi na quarta à noite e na sexta de manhã confirmei o meu primeiro programa. Foi na zona leste, local que eu nasci, e achei bem simbólico. O cliente foi um querido e disse que gostou tanto de mim que não queria nem transar, pois só queria falar comigo (já eu queria muito transar hahaha). Em menos de uma hora, eu já estava com mais de 600$ na conta. Meu deus. Era assim que minha cabeça pensava m-e-u d-e-u-s! Onde eu estava esse tempo todo que não entrei nesse trabalho antes? Era isso que eu pensava. Algo dentro de mim dizia: você nasceu para isso. E sim, eu sabia que eu tinha nascido, nascido para conquistar o mundo através do meu corpo.


Depois os outros programas foram seguindo, e eu fui tendo cada vez mais a minha confirmação. Estou há pouco tempo, mas já gosto demais do que eu faço. Tenho muito tesão, prazer, entusiasmo por transar com desconhecidos e antes eu me definia como demissexual!


Sabe o que tenho descoberto? É que a gente tem partes dentro da gente que desconhecemos. Que muitas vezes nos definimos de uma forma, mas na verdade o nosso interior é outra coisa. Dizemos que nunca seríamos aquilo e, quando vemos, estamos tendo o maior prazer do mundo por ser aquilo que um dia a gente abominou!


Ah, tem tantas partes de mim que eu desconheço! Nós somos uma caixinha de surpresa, se assim permitirmos. É preciso estar aberto às mudanças da vida. É preciso querer se experimentar, trocar de pele, ser outra, se testar. Eu nunca tive medo de mudanças, então essa descoberta de mim mesma veio muito rápido. E eu tenho adorado! Agora eu consigo gozar, agora eu consigo estar bem com o meu corpo. Meu corpo me sustenta, literalmente. Esse corpo que um dia foi tão maltratado, hoje é idolatrado. Me sinto fazendo uma revolução na minha vida. Essa é só a primeira.


E olha, nunca me imaginei sendo acompanhante, muito menos ser acompanhante e ser tão feliz como eu estou sendo. A vida realmente é muito maluca, né?


Por isso que uma das minhas premissas é: tudo é perfeito. Tudo acontece como tem que acontecer. A vida sabe o que faz.


Se não fosse a colega de trabalho ter me tratado tão mal, talvez eu nunca estaria aqui. Por isso temos que agradecer até mesmo as coisas ruins, são muitas vezes elas que nos levam para o melhor que teremos do universo.

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